Caros amigos,
Admiro como os poetas veem a vida. Na verdade os invejo. Eles conseguem transformar as mais duras inquietações, os mais difíceis dramas, as mais inafastáveis dúvidas, em beleza. Com sensibilidade de quem tem alma de artista e talento para usar as palavras, celebram a vida poetizando sobre amor, ódio, coragem, medo, dúvidas, lágrimas, risos. Alguns ainda conseguem colocar música na poesia e, com isso, tocam o coração de quem se rende à beleza.
Aconteceu comigo. Estava ouvindo o rádio – sim o rádio, nem a TV, nem a internet, conseguiram acabar com ele, como erroneamente se supunha – e ouvi “Aquarela” de Toquinho e Vinícius. Essa é uma daquelas canções que falam das questões mais profundas da vida humana, mas de forma leve, poética, lúdica, sem ser piegas, tampouco rasa.
Ao brincar com papel, tinta e pincel, a canção fala das múltiplas possibilidades diante da imprevisibilidade da vida. Convida à imaginação, a enxergar beleza onde há algo simples, trivial. Chama ao encantamento com o que se tem ao redor.
Há entretanto, uma parte da música em que o tom fica um pouco mais sério e a essência da poesia é revelada. É o momento em que o menino está diante de um muro, que na verdade é o futuro e a incerteza contida nele.
“Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar,
Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá.”
Vamos caminhando pela vida e o tempo vai nos engolindo. O futuro está diante de nós e vai se tornando presente a todo instante. Pretensiosamente tentamos pilotar esse futuro, guiar a vida pelas estradas que queremos, mas nem sempre conseguimos isso. A vida vai nos levando por caminhos outros. O futuro chega sem avisar, sem piedade, sem arrodeios. Sem pedir licença o tempo muda tudo. Daí fica o convite: rir ou chorar.
Diante da imprevisibilidade da vida, do futuro, de nada serve ter medo. Ele só paralisa. Cabe ter a disposição de prosseguir, desafiados a olhar a vida com mais encantamento e coragem. “Não nos cabe conhecer ou ver o que virá”, mas quando vir, a atitude pode ser de entrega ou enfrentamento. O fim dessa estrada “ninguém sabe bem ao certo onde vai dar”, mas antes que essa aquarela se torne descolorida, podemos fazer dela uma “linda passarela”.
O fim chegará, tudo vai perder a cor, mas se a passarela foi bonita, terá valido a pena. Fazer dessa estrada, dessa estada nesse mundão de Deus, um caminho bonito, colocando poesia, bondade, gentileza e amor por onde passar, faz toda a diferença.
Hoje, ouvir o velho rádio me fez ganhar o dia! Se o convite é para rir ou chorar, quero poder chorar e lamentar sempre que necessário, mas quero rir ainda mais, porque sei que há muito mais motivos para rir do que para chorar.
Por: Romário Allencar
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